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No Maranhão, frango também é fonte de biodiesel

<p>Produto foi batizado de Biolubrás, hoje marca registrada.</p>

Redação AI (31/07/06)- A história da família Melo é o que se pode chamar de saga. Um dia, o patriarca da família, José Laurendo Araújo Melo, conhecido como Comandante Maranhão, lá pelos meados do século XX, teve uma idéia revolucionária: criar um combustível à base de gordura animal.

O Comandante Maranhão morava entre as ilhas de Curatá e Pombas, próximas à cidade de Tutóia. Como era proprietário de uma frota de barcos e de aviões teco-teco, ele vivia pensando numa alternativa de baratear o custo dos combustíveis. Nessa época – longe ainda da degradação ambiental que a natureza vem sofrendo nos últimos tempos – as praias viviam cheias de tubarões. E foi a partir do fígado desse animal que nasceu a fórmula do combustível do Comandante Maranhão. Ele abastecia barcos e aviões com gordura do tubarão e depois ele foi diversificando. Juntava gordura de qualquer bicho: porco, galinha, etc. As pessoas ficavam curiosas em saber como ele conseguia transformar gordura animal em combustível. Ele não dizia a ninguém, só chamava o combustível de substância X”, lembrou o neto, Luís Marcelo Buendia da Silva Melo, hoje herdeiro da fórmula. Com a morte do Comandante Maranhão, a fórmula foi passada ao filho, José Laurendo Araújo Melo Filho, que foi embora para o Pará e depois se instalou em São Luís, com a mulher e os dois filhos. Com a sua morte, no ano de 2004, a fórmula ficou nas mãos de seus herdeiros que a aprimoraram especificamente para a gordura de frango.

Sem muito conhecimento de estratégia de mercado, os filhos fabricavam o produto de maneira artesanal e vendiam nas rotatórias da cidade em garrafas tipo pet de dois litros, destinado para a adição ao diesel. Inicialmente, havia a barreira do preconceito pelo desconhecimento do produto, mas aos poucos, eles foram conquistando uma clientela cativa que se encantou pelas propriedades do aditivo de combustível que melhora o desempenho do veículo movido a diesel, não gera fumaça e é mais barato que o próprio diesel. Um litro custa cerca de R$ 1,50 e com a gordura do frango também é possível ainda fabricar 19 outros produtos, desde ração para animais até graxas e lubrificantes.

Um grupo de empreendedores conheceu e testou o aditivo em seus próprios veículos. Surpresos com o resultado, eles propuseram sociedade à família Melo para que juntos pudessem trabalhar o combustível de forma industrializada, o que foi plenamente aceito. A partir daí, começou uma longa e difícil caminhada para agregar valor de mercado ao exótico aditivo à base de gordura de frango. O primeiro passo foi dar um nome a esse aditivo e em consenso, batizaram-no de Biolubrás, hoje marca registrada. O produto também está patenteado e foi apresentado de maneira formal em outubro de 2005 na Feira Internacional de Produtos Exóticos, realizada em São Paulo. O grupo de empreendedores alugou uma van nova, que fez a viagem utilizando o aditivo de São Luís até à capital paulista. Lá na feira, foram cedidos dois stands onde o grupo pôde fazer a demonstração das qualidades do Biolubrás, bem como de seus produtos derivados. O então ministro da Agricultura, Roberto Costa, foi um dos que se surpreenderam com a idéia. Fez questão de testar em seu veículo e elogiou a iniciativa dos maranhenses. Diversos contatos foram feitos com empresários de todo o país e até com estrangeiros. De volta para casa, o negócio ainda não deslanchou de vez, pois o grupo ainda estuda propostas de parceria com bancos, empresas particulares e aguarda laudos que atestem a qualidade do aditivo por parte de laboratórios governamentais. Entendimentos também já foram mantidos com a Fundação de Amparo à Pesquisa no Maranhão (Fapema), com a Petrobras, Ipiranga e Shell. Por enquanto, o produto continua sendo fabricado apenas como aditivo, uma vez que falta uma máquina que faça o seu refinamento. Uma máquina dessa custa algo em torno de R$ 48 mil.

Semanalmente, uma empresa que comercializa frango assado repassa para os empresários cerca de 600 kg de gordura que se transformam no aditivo, em ração, graxa, sabão, sabonete e demais subprodutos. Aqueles que já utilizam o produto há bastante tempo, só têm elogios. “Eu sinto que a potência do motor melhorou e o cheiro que sai do cano da descarga também. E não precisei fazer nenhuma alteração no motor”, afirmou o empresário Lucena, dono de uma L 200, também um dos sócios do negócio. Ele adiciona um litro do aditivo à base de gordura de frango para cada 15 litros de diesel. “Mas já cheguei a colocar só ele e o carro rodou que foi uma beleza”, confessou. Ele chegou ao cúmulo de colocar os olhos abertos bem na saída do escapamento. “Isso só para mostrar que a fumaça que sai não arde no olho”, atestou.

Quem também fala bem do produto é o empresário Juvenal Galeno dos Reis, proprietário de uma Land Rover. “Tive um ganho de 30 por cento no desempenho do motor e hoje faço de 19 a 20 quilômetros com um litro do Biolubrás no meu diesel. Até a graxa já usei e só posso falar bem”, afirmou.

Por que o frango?

Luís Marcelo, herdeiro da fórmula, conseguiu a proeza de armazenar o aditivo em temperatura ambiente sem que esta se solidificasse, o que geralmente acontece com gordura animal. E explicou que a gordura do frango é a melhor opção a ser utilizada, porque há grandes criatórios, o frango está pronto para o abate dentro de aproximadamente 45 dias, tudo isso facilita a contínua oferta da gordura. “Este é um combustível que não polui”, garantiu. Recebendo centenas de propostas para a comercialização do aditivo, Luís Marcelo analisou com cuidado junto com os outros sócios cada uma delas. “Tem muita gente que quer dar uma de esperto e chega aqui propondo sociedade, mas quer levar 50 ou até 60 por cento. Quando meu avô era vivo, muitas empresas grandes ofereceram dinheiro alto para que ele vendesse a fórmula, mas ele nunca quis”, comentou. Hoje o aditivo ainda é usado de maneira restrita, pois não é muito conhecido na cidade. Luís Marcelo contou que donos de vans, táxis e proprietários de caminhões são clientes assíduos e sempre falam bem do produto.

Uma grande entusiasta, e sócia do negócio, é Maria do Carmo dos Santos Pinto, presidente da Consulcoopma. Ela também esteve no stand da feira em São Paulo e contou que a experiência vivida lá só serviu para animá-la ainda mais quanto à viabilidade desse biocombustível. Munida de números e documentos, ela também explicou que o combustível à base de frango oferece mais vantagens que aquele derivado da mamona. De lápis e papel na mão, ela fez as contas e mostrou que para obter mil litros de biocombustível de mamona, é necessária a plantação de 4,5 hectares de terra, sendo que 2.550 frangos com peso aproximado de 2,5 a 3 kg rendem mil litros de Biolubrás. “O plantio da mamona não traz valor agregado e a criação de frangos com certeza vai ajudar muita gente”, disse. Há, entretanto, que se mencionar que o plantio da mamona está inserido num amplo programa de desenvolvimento social, e é acessível aos pequenos produtores por meio dos planos de investimentos de bancos estatais.

Entre os vários projetos associados ao Biolubrás, ela contou que pretende trabalhar com pólos onde as famílias envolvidas criariam os frangos destinados a esse fim. “O frango tem diversas utilidades, uma vez que para o combustível é usada apenas a gordura. Estaríamos gerando renda, oferecendo um frango mais saudável para a mesa do maranhense, já que chegaria sem a gordura, e uma chance para o próprio Estado”, anteviu. Sem entrar muito em detalhes como pretende colocar em prática esse projeto, ela apenas antecipou que estão sendo dados os passos para que ele se concretize. “Queremos sócios que pensem em nos ajudar dentro dessa linha de pensamento, agregando ganho para todos”, finalizou.

Caso parecido no Paraná

O caso da família Melo não é inédito no país. No Paraná, em 2004, a partir de um documentário da série de televisão National Geographic sobre combustíveis alternativos, mais o auxílio de um professor universitário e muita insistência, o autônomo João Cláudio Plath, de 44 anos, chegou à fórmula pouco usual de um novo combustível, feito à base de gordura de frango.

Além do componente animal, são acrescidos mais metanol, álcool e soda. “Mas o principal da fórmula é a gordura de frango. O restante é apenas para dar a reação”, explicou. O combustível alternativo criado por Plath não é nada “de outro mundo”. Ele informou que existem vários similares feitos com gorduras animais e vegetal, tais, como, por exemplo, o girassol.

Estudante de Ciências Biológicas, Plath começou a investigar a fórmula por quatro meses. Para isso, contou com a ajuda do professor Edmilson Canesin. Desde então, trabalha no aperfeiçoamento da idéia. A intenção é retirar da composição o metanol, que representa a maior parte do custo. O combustível movido à gordura de frango foi testado com sucesso em um Jipe e também em uma Saveiro. E as diferenças? “A principal é o cheiro de fritura”, disse.

O litro do biocombustível de Plath fica 100% mais barato do que o diesel, por exemplo. Ele observou que o rendimento do veículo é “igual”, fazendo a mesma quilometragem do que o diesel ou a gasolina. O autônomo contou que ganha a gordura de um supermercado.

O material sobra quando os frangos são assados. A gordura é batida na máquina de lavar roupa e colocada ao sol para “decantar”. “E a poluição é zero”, lembrou. Plath defendeu o biocombustível, considerando-o interessante para tornar o País “auto-suficiente” nesse segmento.