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Carbono Zero

Uruguai bate meta de carbono zero em consumo de energia elétrica

Em um momento em que a guerra na Ucrânia agrava a crise global de energia, a “folga energética” credencia o Uruguai a atrair mais investimentos externos

Uruguai bate meta de carbono zero em consumo de energia elétrica

Enquanto a maioria do globo enfrenta uma crise de energia e está queimando mais carvão e outros combustíveis fósseis, na América do Sul o Uruguai colhe os frutos de ter feito a transição energética para fontes renováveis.

Quase 15 anos depois de o país ter feito a escolha de longo prazo, praticamente toda a energia elétrica consumida hoje pelo Uruguai é produzida de fontes renováveis, convertendo o país em modelo de economia sustentável na região e no mundo.

Uma combinação de matrizes limpas livrou o país dos apagões e racionamentos frequentes, além da excessiva dependência da importação de energia do Brasil e da Argentina e do custo do combustível importado que alimentava suas termelétricas.

Matrizes energéticas do Uruguai

A transição energética custou até agora US$ 6 bilhões – o que representa quase 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do Uruguai [de US$ 59 bilhões]. Quase todos esses recursos foram captados de investidores privados no exterior. A mudança foi cara, mas valeu a pena.

O Uruguai deixou de gastar US$ 500 milhões anualmente só com a compra de combustíveis fósseis. E, desde a fase de implantação, o projeto criou ainda 50 mil empregos diretos.

Às usinas hidrelétricas de Salto Grande e do Rio Negro, que fornecem energia ao país, somaram-se parques eólicos espalhados por todo o território, grandes instalações de placas de energia solar e centrais elétricas movidas a biomassa. Com isso, o Uruguai alcançou sua independência energética, reduzindo as importações de petróleo e carvão que comprometiam a sua economia.

Definição do plano de transição energética como projeto de Estado foi fundamental para atração de capital “Não temos reservas de petróleo, gás ou carvão, cujos preços estavam em alta havia duas décadas, e tínhamos clareza de que os investimentos em energia não eram suficientes para evitar os blecautes”, disse ao Valor o homem responsável pelo desenho do atual sistema, o ex-diretor de Energia do Uruguai Ramón Méndez.

“Ao mesmo tempo, estava claro que não tínhamos caixa para bancar uma solução definitiva”, explicou Méndez. Formado em física e responsável por orientar pesquisas no setor de energia em universidades de todo o mundo – incluindo o Brasil -, Méndez foi chamado em 2008 pelo então presidente uruguaio Tabaré Vázquez para ajudar a resolver o gargalo energético.

“Chegamos a conclusões importantes, entre elas a de que o melhor caminho era o de apostar em matrizes limpas”, afirmou. “Outra certeza era a de que precisávamos atrair investidores privados para arcar com os altos custos de implantação.”

Balanço Energético do Uruguai

O plano apresentado por Méndez a Vázquez – um presidente de esquerda – previa a descarbonização total da rede elétrica até 2020. Mas ele estava sujeito a acordos com a oposição de centro e centro-direita para assegurar aos investidores, a maioria estrangeiros, regras claras para a formação de preços, cobrança de impostos e royalties e segurança jurídica plena nos padrões internacionais.

“Acordos políticos são necessários quando se inicia um projeto de 25 ou 30 anos e não há garantia, felizmente, de que o mesmo grupo político vá permanecer no poder por 25 ou 30 anos”, afirmou Méndez.

“Era fundamental que o projeto se implementasse como uma política de Estado, e não uma política de governo, para atrair a confiança dos investidores.” “Com as regras do jogo apresentadas de forma clara, o capital estrangeiro não demorou a chegar”, disse Méndez.

Sistema se equilibra de acordo com a oferta das matrizes, livrando o país de dependência de poucas fontes.

Embora tenha um custo maior de implementação, a energia renovável é mais barata do que a fóssil. O preço do KW/h da energia eólica ou fotovoltaica é, em média, de US$ 0,03 por KW/h – cerca de um décimo do custo da eletricidade gerada por termelétricas.

A mudança implementada pelo projeto permitiu que os uruguaios passassem do déficit energético para a condição de exportador de seu excedente de eletricidade, inclusive para Brasil e Argentina. Só entre janeiro e outubro do ano passado, quando a seca reduziu a produção das hidrelétricas brasileiras, o país teve de importar US$ 266 milhões de energia uruguaia. E, num momento em que a guerra na Ucrânia agrava a crise global de energia, a “folga energética” credencia o Uruguai a atrair mais investimentos externos, à medida que o país reunir mais condições para reduzir os preços.

O Uruguai também se beneficiou do fato de ter saído em busca de equipamentos de energia renovável no exterior em um período em que a procura – e o preço – era relativamente menor. “Somos um país pequeno, de 3,5 milhões de habitantes, no qual saltos para economia de escala são relativamente mais lentos”, disse o gerente da área de Geração da estatal Administração Nacional de Usinas e Transmissões Elétricas (UTE), Tacuabé Cabrera. “Isso acaba aumentando nossos custos. Quando começamos a implementar o projeto energético, por exemplo, não tínhamos no país nem mesmo gruas em quantidade suficiente”, afirmou.

Cabrera, que é engenheiro, dirigiu por vários anos usinas termelétricas de propriedade da UTE – que é a equivalente no Uruguai da brasileira Eletrobras – incluindo a maior delas, a José Batlle y Ordoñez, de Montevidéu. As unidades geradoras a óleo e a diesel entravam em atividade frequentemente, sempre que a falta de chuvas reduzia a produção das usinas hidrelétricas do país. E, mesmo assim, a capacidade instalada era insuficiente para evitar os apagões frequentes, que se constituiam num dos principais gargalos de infraestrutura para o desenvolvimento da economia.

“Claro que é mais fácil de administrar uma única usina do que dezenas de cataventos de geração eólica espalhados pelo país”, disse Cabrera. “Mas, à medida que os preços internacionais de commodities energéticas aumentavam, as usinas de tecnologia mais antiga acabaram se tornaram mais custosas para o Estado.” Cabrera afirma que o próximo desafio é tornar a energia mais barata para o consumidor final, um passo que ainda depende de variáveis como clima, maior investimento em geração, competitividade de preços em relação ao mercado internacional, etc.

“Precisamos ter um preço justo, que convença o investidor estrangeiro de que ele terá no Uruguai, no mínimo, as mesmas vantagens que teria em outras partes”, afirmou. “A tarifa ainda não é tão baixa como gostaríamos que fosse, mas há alguns programas que reduzem a conta de luz para o consumidor doméstico, levando-se em conta períodos de pico de consumo e de maior demanda”, explica o gerente da UTE. “O sistema também se equilibra de acordo com as variáveis de oferta. À noite, por exemplo, quando os ventos se reduzem, usa-se mais a energia de fonte hidrelétrica”, explicou. Essa equalização de matrizes é um dos pontos mais positivos do modelo energético uruguaio.

Na própria América do Sul, há exemplos de outros países que utilizam energia elétrica exclusivamente ou em sua maior parte de fontes renováveis. É o caso do Paraguai, por exemplo, que utiliza 100% de sua energia da hidrelétrica de Itaipu. Mas, como se trata de fonte única, os preços ficam sujeitos ao clima e a variações de oferta e demanda no Brasil, seu sócio na usina. “O sistema uruguaio está baseado numa cesta de várias origens de oferta”, afirmou Méndez, o ex-diretor de Energia, acrescentando que a combinação não é improvisada nem aleatória. “A formulação exata do mix de energia – eólica, fotovoltaica, de biomassa, etc – é planejada com pelo menos uma semana de antecedência”, disse.

O governo uruguaio também se esforçou para que 100% da rede de transmissão estivesse interligada, o que compensa instabilidades na distribuição. “A evolução das baterias vai nos permitir aumentar a eficiência, à medida que pudermos armazenar a energia excedente”, afirmou o embaixador do Uruguai na Agência Internacional de Energia Renováveis (Irena, pelas iniciais em inglês), Álvaro Ceriani – referindo-se à margem de perda entre a energia gerada e a ofertada nas linhas de transmissão.

“O desenvolvimento dessa tecnologia vai permitir a redução de nossa emissão total de carbono para quase zero, levando-se em conta a maior eletrificação de mais setores econômicos”, disse.