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Dependente da soja, Dourados ainda espera o avanço da cana

A aposta na produção de cana-de-açúcar se deve ao aumento da procura do mercado internacional pelo etanol.

Redação (17/03/2009) –  Peça um café em Dourados (MS) e tenha certeza, ele não foi colhido lá. O que era café virou soja. Faça circular na roda o chimarrão – ou o tereré, com água fria, mais à moda local – e tenha certeza, a erva-mate não foi colhida lá. O que era erva-mate virou soja. Compre uma camiseta e tenha certeza, o algodão que a compõe não foi colhido lá. O que era algodão virou soja. Mas você já pode visitar a cidade e beber caldo de cana da terra.

A cana-de-açúcar, como se sabe, resolveu testar com mais afinco os ares do Centro-Oeste nos últimos anos, estimulada que estava pela alta do preço do açúcar no mercado internacional e pela aposta em vertiginoso aumento da demanda por etanol. Dourados, o principal polo agropecuário de Mato Grosso do Sul, distante 230 quilômetros de Campo Grande, entrou no movimento, agora solapado pela crise econômica que abateu as usinas.

Antes que se vociferem impropérios sobre o assalto da cana às terras dos grãos, é preciso destacar que a cultura estava devolvendo a Dourados um pouco de uma das características que marcaram sua atividade agrícola desde o fim da primeira metade do século XX: a diversificação. A soja tornou-se hegemônica, e a cana-de-açúcar – que ocupou algumas áreas de grãos, mas muitas de pastagens degradadas – estava ajudando a cidade a redistribuir os dividendos que saem da terra, mas a crise econômica reduziu a velocidade desse movimento.

Eram três as usinas em implantação no município, e agora são duas. Pode ser apenas um soluço em um universo de cerca de 400 usinas em operação no Brasil, 200 anunciadas entre 2005 e 2008 e outras tantas em negociação, mas tome-se Dourados como metonímia do susto: as cidades que a circundam formam o centro nervoso dos investimentos em cana em um Estado que, por sua vez, foi um dos que mais apostaram nesse mercado em tempos recentes.

Há apenas um ano, a conta que se fazia era que, se todos os projetos apresentados à Secretaria de Produção e Turismo de Mato Grosso do Sul fossem implantados, o Estado passaria de 11 para 84 usinas de álcool e açúcar até 2011. Desse universo, 45 estariam na região centralizada por Dourados.

O projeto do usineiro Celso Del Lago é um dos que diminuíram o ritmo do andor. O plantio de cana e as obras civis de apoio, como refeitório e prédio administrativo da usina, tocada em parceria com o grupo Unialco , estão em andamento, mas a parte industrial da estrutura aguarda a liberação de recursos do BNDES. "O mercado estava bastante aquecido, mas agora todo mundo deu uma parada", afirma ele. A cana-de-açúcar, praticamente inexistente em Dourados no início da década, ocupa atualmente cerca de 15 mil hectares.

Peça a um frentista em Dourados que complete com diesel o tanque de sua carreta e tenha certeza que o biodiesel usado na mistura não foi produzido lá. No município ficaria uma das unidades de fabricação de biodiesel da Brasil Ecodiesel, a única das anunciadas pela empresa que acabou não saindo do papel.

O biodiesel, adicionado compulsoriamente ao diesel convencional no Brasil desde 2008, era outra vertente de diversificação da atividade agrícola de Dourados. Foi outra a ter que esperar por um momento menos sobressaltado da economia. Em Caarapó, logo depois dos limites do território de Dourados, fica uma das três unidades inacabadas da Agrenco, empresa que entrou em dificuldades financeiras, está em recuperação judicial e interrompeu as obras de suas fábricas de óleo e biodiesel – as outras unidades ficam em Alto Araguaia (MT) e Marialva (PR).

A Biocar Biodiesel, inaugurada em Dourados em fevereiro de 2008, foi a pioneira do setor em Mato Grosso do Sul. Sua produção, no entanto, ainda não pôde passar pelas bombas dos frentistas douradenses porque a empresa obteve a licença de comercialização de biodiesel apenas no fim do ano.

No leilão de compra de 27 de fevereiro, o mais recente realizado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a Biocar não conseguiu arrematar nenhum lote para vender biodiesel à Petrobras, única compradora do mercado. A empresa acabou fechando contrato com uma concorrente que arrematou lote no leilão para fornecer a ela sua produção, segundo Marcelo Dias de Moraes, da MDM, sócia da Biocar. As primeiras entregas estão agendadas para esta semana.

Vá ao Supermercado Cuenca em Dourados, e peça uma porção de miúdos. Eles até podem ser de frangos criados lá, mas, sobretudo de um mês para cá, a avicultura da cidade deu uma inspirada funda, pôs a cabeça na água e contou até 13 de março. Em momento de redução do ritmo de produção do setor, que busca diminuir estoques, a Perdigão anunciou que daria férias coletivas a 1.520 funcionários da unidade que mantem no município.

As atividades de abate e processamento foram interrompidos durante o intervalo de 30 dias, mas continuaram em operação áreas como a granja e a fábrica de ração. Os funcionários retornaram ao batente no 13 de março, uma sexta-feira, como anunciado, segundo a Perdigão.

A população de galos, frangos e pintos em Dourados era de pouco mais de 2,5 milhões de animais em 2007, segundo a compilação mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Embora o número tenha aumentado em comparação com os dois anos anteriores, ele foi 12% menor que o de 2001, quando havia quase 3 milhões de animais. Mato Grosso do Sul, em contrapartida, com 21,8 milhões de animais, atingiu em 2007 sua maior população de galos, frangos e pintos até então.

Pão. Vá lá, um pãozinho. Pois o trigo do francês que jaz sobre a mesa no café da manhã de uma eventual visita a Dourados, tenha certeza, tem cada vez menos probabilidade ter sido colhido lá. A área ocupada pela cultura é atualmente de 7,5 mil hectares, um contraste com os cerca de 90 mil hectares do passado. Na década de 70, o município foi um dos principais produtores de trigo do Brasil.

"Já produzi trigo no passado, mas desisti. Hoje prefiro plantar feijão ou até canola do que plantar trigo", diz Lúcio Damalia, produtor de soja e milho. "Praticamente não há moinhos para vender a produção. A situação é muito difícil", complementa César Dierings, um dos poucos agricultores da cidade que ainda não abandonaram a atividade completamente. O desestímulo à produção interna e a priorização das importações abateram também essa frente de diversificação.

Com ou sem diversificação, ainda teve a seca. A região sul de Mato Grosso do Sul foi afetada por uma estiagem entre novembro e dezembro que, em algumas áreas, somou 56 dias ininterruptos sem chuva. A produtividade da soja, que já era alvo de preocupação em virtude de redução do uso de adubo nas lavouras – motivada pela disparada, em 2008, do preço do petróleo, base para da produção de fertilizantes – deprimiu de vez a calculadora dos produtores.

A soja que tem conseguido sair do pé já não encontra os armazéns da Cooperativa Agropecuária e Industrial (Cooagri) para se abrigar. Em dificuldades financeiras, a cooperativa, com sede em Dourados, aguarda acerto para arrendar sua estrutura à ADM. A soja – que foi café, que foi erva-mate, que foi algodão – tem tido ela própria seus percalços na safra 2008/09.