
A SF Agropecuária, um grande empreendimento de suínos, bovinos, grãos e celulose no Mato Grosso do Sul, um dos estados em que a suinocultura mais cresce (e promete!), é um exemplo prático e inspirador de um sistema econômico auto-sustentável e regenerativo. Os dejetos do megarebanho suinícola geram energia elétrica e biometano para, além de atender à demanda da propriedade, também se transformar em biofertilizantes para suprir às lavouras de soja e milho, grãos que depois são convertidos em comida aos animais – e assim o ciclo infinito reinicia. Parece milagre, algo mágico, mas é a essência da (agro)economia circular
Por Leandro Mariani Mittmann
A economia circular mobiliza no ambiente de inovação e eficiência produtiva o reuso e o reaproveitamento de recursos naturais, processos que buscam transformar subprodutos gerados por uma atividade em novos produtos. Isso tudo com a racionalização de custos e a minimização – ou mesmo zerando – dos desperdícios. Ou, em síntese, a mais pura e natural prática da sustentabilidade. Neste contexto, a agropecuária se constitui num ecossistema prodígio, rico e fértil para a prática da circularidade. E, em especial na suinocultura, a sequência envolve a comida gerada pelas lavouras aos animais que tem seus dejetos convertidos, além de em biocombustível – limpo e sustentável –, também em biofertilizante para as plantações, que, então, geram comida para os animais reiniciarem o circuito. Um ciclo infinito. E o meio ambiente agradece.
Pois a iniciativa econômica e ambientalmente sustentável de um empreendimento do Mato Grosso do Sul tem se tornado um exemplo não apenas na suinocultura, mas também em outras atividades agropecuárias, como bovinos, grãos, celulose e café. A SF Agropecuária, sediada em Brasilândia, Mato Grosso do Sul, e unidades em Sonora/MS e Unaí/MG, não desperdiça um grama de dejeto suíno gerado por milhares de animais: tudo é transformado em biogás, ou seja, energia elétrica para ajudar a manter em funcionamento a megaestrutura da propriedade, e em biometano, que faz rodar um trator de 180cv, um caminhão e três picapes. E ainda resta conteúdo que vira fertilizantes para as plantações.
A SF Agropecuária abriga ao todo 86 mil suínos, dos quais 5.500 são matrizes, a creche é ocupada por 20 mil, além de 2.500 leitoas para reposição, 12.600 leitões em amamentação e outros 45.400 animais em engorda. O abate anual é de 173 mil animais. Todos os animais estão alojados num total de 57 galpões. Portanto, fica evidente que essa grande população gera um volume gigantesco de dejetos, montante todo incorporado por biodegestores, que abastecem a estrutura para a produção de biogás e biometano.
O biogás, que gera energia elétrica suficiente para atender à metade da estrutura da fazenda de Brasilândia, começou a ser gerado no empreendimento em 2021 e, dois anos depois, foi a vez deste produto passar a ser transformado em biometano para o trator e os quatro veículos de apoio – e outro caminhão e mais uma picape já foram adquiridos. “Foi a primeira suinocultura do Brasil a transformar o biogás em biometano”, conta, orgulhoso, Indalecio da Costa Rodrigues, diretor responsável da Suinocultura na SF Agropecuária.
CUSTOS DA ESTRUTURA
O investimento para a estrutura de geração do biocombustível foi de R$ 1,8 milhão, além de R$ 1 milhão para a aquisição do trator adaptado. O local já tinha a logística de um gasoduto de 4,5 quilômetros, para o transporte de biogás, e mais o gerador de energia elétrica, que exigiu um dispêndio total de R$ 2 milhões. “Esse biogás é combustível direto para produção de energia e matéria-prima para originar o biometano que é o biogás purificado, através do skid de purificação que usamos com a tecnologia de membranas para realizar esse processo de remoção do CO2, umidade e outros gases contaminantes, resultando em um gás de alta qualidade para que seja usado como combustível veicular”, descreve o processo Matheus Henrique Veloso, supervisor de Logística e Sustentabilidade da empresa.
Veloso relata que o maior problema na geração do biogás foi o pós-venda dos equipamentos e a manutenção. “Como o biogás não é tratado, purificado 100%, acabam ocorrendo problemas de manutenção”, descreve. “Na parte de geração de energia são os maiores problemas”, cita. Já quanto ao biometano, cuja tecnologia já existe e é aprovada, entre os desafios está o investimento alto e, para muitos, a destinação do produto, o que não é o caso da SF Agropecuária, que consome a produção. “Mas têm muitos produtores com volume de biogás para transformar em biometano, porém não tem destinação final ainda certa. Ou seja, para consumo próprio ou venda”, acrescenta Veloso.
Na SF Agropecuária 100% dos desejos gerados pela suinocultura são transformados em biogás ou biometano. São 50 mil kilowatts de energia elétrica por mês, emissão que atende à metade da demanda das granjas, e 720 metros cúbicos de biometano por dia, ou cerca de 21.600 a cada 30 dias. E, neste processo de conversão, 50 metros cúbicos de biogás por hora se revertem em 30 metros cúbicos de biometano. Aqui, a seguinte referência: uma casa de 60 metros quadrados e habitada por três pessoas gasta, em média, 250 kilowatts/mês; portanto, a energia da propriedade poderia atender a 200 residências.
E, apesar do show de sustentabilidade ambiental, a iniciativa não recebe qualquer compensação monetária ou mesmo alguma premiação de mercado. “A gente não ganha nenhum real a mais no preço do suíno por fazer esta parte sustentável corretamente”, lamenta Veloso. E, além do investimento na infraestrutura ser alto, a fazenda nem conseguiu ser contemplada por nenhuma linha de financiamento para tal finalidade.
BIOMETANO X DIESEL
Rodrigues revela que a geração do biometano é a prioridade, pela seguinte relação: um metro cúbico do biocombustível, que custa 96 centavos, substitui um litro de diesel, adquirido a R$ 6. A economia é de R$ 75 por hora, afinal, 15 metros cúbicos do biocombustível gastos, a R$ 0,96/metro, impõe um dispêndio inferior a R$ 15, enquanto seriam demandados R$ 90 de diesel, visto que o trator de 180cv requer 15 litros de diesel por hora. “No lugar de um metro cúbico de biometano vai um litro de diesel. A conta se paga mais fácil”, avalia o dirigente. “Ou seja, é muito melhor transformar em biometano”.
Mas, por enquanto o biometano não pode ser utilizado, por exemplo, numa carreta a ser submetida a grandes distâncias, visto a dificuldade de encontrar biocombustível para reposição na estrada. “Por isso temos aderido à frota que fica aqui aos arredores da fazenda, como o trator, as picapes dos técnicos, o caminhão de ração que é 100% a biometano, que só entrega ração aqui na redondeza, Brasilândia e Pataguassu”, explica Rodrigues.
Para o gestor, num futuro bem próximo a geração de biometano vai ser algo natural aos suinocultores. “Transformar o biogás em biometano será uma coisa normal, talvez não em dez anos, mas em cinco anos”, estima. Ele, no entanto, observa dificuldades na transformação de biogás em energia elétrica visto às muitas manutenções que a estrutura exige. “Ainda não há uma tecnologia bacana para limpar o biogás para transformar em energia. Mas transformar o biogás em biometano, a tecnologia que existe no skid é fora de série”, considera.
Outra vantagem econômica da iniciativa sustentável em bioenergias se dá pela utilização dos subprodutos dos dejetos como fertilizantes. Para se ter uma ideia, uma área de pastagem adubada pela fertirrigação por meio de aspersão abriga de dez a 12 cabeças de animais por hectare. “Sobre a economia dos fertilizantes na agricultura, com o uso dos biofertilizantes podemos considerar uma economia de 25%, no caso o MAP. O ideal na agricultura é utilizar 200 quilos de MAP por hectare e aqui utilizamos 150 quilos, ou seja, redução de 25%”, descreve Rodrigues. “No caso da pecuária (em pastagem), com o biofertilizante a economia chega a 100%, pois não precisamos fazer reposição de fertilizantes químicos, além do mais trabalhamos com até dez cabeças de bovinos por hectare”, conta.
A pecuária bovina na SF Agropecuária é mantida por 34.500 cabeças, com venda anual de 10.400 animais, e praticada numa área de 29.139 hectares, incluindo a reserva ambiental. Os machos são abatidos com média de 21 arrobas, aos 20 meses de idade, e 90% possuem zero dente. Já a reposição das fêmeas é feita por superprecoces, emprenhadas aos 14 meses. Já na agricultura são cultivados 4.800 hectares de soja, milho e milho para silagem, além de, em Unaí/MG, 4.687.000 pés de café em 744,4 hectares. E a empresa também adquiriu uma propriedade no Paraguai.
PARA OS “NOSSOS FUTUROS”
As iniciativas em energias renováveis e outras ações em economia circular na SF Agropecuária têm o start em uma “cabeça bem aberta que busca a sustentabilidade”, segundo definição de Rodrigues e Veloso. “Eu estou com 67 anos e o maior patrimônio que a gente tem é a terra. E a gente tem que ter uma certa sabedoria para manter esta terra para os nossos futuros. E viemos trabalhando neste sentido”, justifica a série de investimentos e dedicação o diretor da empresa, Fábio Pimentel de Barros, a terceira geração da família à frente do empreendimento. “Pensamos que tem que ter continuidade, e para ter continuidade tem que respeitar o meio ambiente”, justifica todo o empenho nas ações sustentáveis na suinocultura e em outras atividades da SF Agropecuária.
O produtor descreve com proatividade todas as iniciativas desenvolvidas por ele e suas equipes em busca de melhores e mais sustentáveis sistemas de produção. Relata, por exemplo, que tempos atrás “todos escondiam o problema sócio-econômico-ambiental” do chorume poluente gerado pela suinocultura, subproduto que agora é simplesmente transformado em bioenergia limpa e pura, e até propiciando ganhos econômicos para a propriedade. “E esse biometano proveniente do suíno é muito limpo. Além de ser eficaz, é extremamente bom para o meio ambiente”.
Estabelecidos a bioenergia e o biocombustível, a meta agora é transformar os dejetos em fertilizante organomineral, inclusive com uma fábrica de adubos peletizados, para utilizar nas lavouras de soja e milho. E, assim, Barros faz a seguinte descrição: soja e milho se transformam em suíno, cujo dejeto vira biometano – usado nas máquinas – e adubo organomineral, utilizado para cultivar soja e milho, para, na sequência, se converterem em comida para os animais. “Você fecha o ciclo. Isso é lindo e maravilhoso”, se entusiasma. Além disso, já são 18 mil hectares de pastagens reformadas com os dejetos.
Da mesma forma, a fazenda montou uma biofarm para gerar produtos biológicos. No caso do milho, por exemplo, mesmo em solo arenoso e de baixa altitude, a produtividade em alguns lotes da fazenda atinge 160 sacas por hectare, após três anos com adubação biológica. Conforme Barros, o produto natural altera a estrutura do solo, aumenta a CTC, amplia a porcentagem de matéria orgânica e aumenta a produtividade. E ainda utiliza produtos biológicos cujas bactérias retiram o nitrogênio do ar e o transformam em elemento nutricional para as pastagens. “A evolução é um negócio impressionante com a adubação biológica”, afirma. “O agricultor que não seguir os produtos biológicos está fora do mercado. Em cinco anos, quem estiver trabalhando só com químicos, está fora”, adverte.
Tudo porque Barros entende ser fundamental gerar e manter a vida ativa nos solos agrícolas, o cenário mais fértil (no sentido figurado) para a prática da economia circular e, assim, tornar o ambiente mais fértil, no sentido literal do termo. “Respeitar o meio ambiente, para utilizar a terra e produzindo mais, mas com mais qualidade”, define. Afinal, ele lembra que uma terra degradada demanda muito mais tempo para ser recuperada. E, portanto, todas as ações na SF Agropecuária têm o objetivo de melhoria constante e a continuidade dos processos produtivos.











