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Biomassa

Turbina desenvolvida por brasileiros gera energia a partir de bagaço de cana e açaí

Durante os testes, o dispositivo gerou energia suficiente para abastecer cinco famílias com um consumo médio mensal de 100 a 200 kWh

Turbina desenvolvida por brasileiros gera energia a partir de bagaço de cana e açaí

As áreas remotas da Amazônia Legal, como terras indígenas, territórios quilombolas, assentamentos rurais e comunidades ribeirinhas, enfrentam a falta de acesso à energia elétrica. De acordo com dados do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), quase 1 milhão de pessoas na região não possuem esse recurso básico. Na tentativa de mudar essa realidade, pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) desenvolveram uma turbina que utiliza o bagaço de açaí e de cana-de-açúcar, alimentos abundantes na região, para gerar eletricidade. Segundo os criadores, a tecnologia é mais segura e limpa do que os geradores a diesel normalmente utilizados por essas populações.

O dispositivo mecânico converte a energia térmica, gerada pela queima da biomassa, em vapor pressurizado, movimentando lâminas móveis conectadas a geradores elétricos. Durante os testes, o dispositivo gerou energia suficiente para abastecer cinco famílias com um consumo médio mensal de 100 a 200 kWh. Os detalhes desse trabalho foram publicados neste mês na revista Matéria, uma publicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Davi Cavalcante, um dos alunos de pós-graduação da UFPA responsáveis pelo estudo, explica que a ideia de desenvolver a turbina surgiu como um desafio para eliminar resíduos de matéria orgânica gerados em atividades agrícolas de comunidades isoladas. Essa biomassa, que é amplamente disponível, pode ser utilizada para a produção de energia. “Pensamos que, como há muita biomassa na Amazônia, há uma quantidade enorme que pode ser usada para gerar energia nas comunidades isoladas”, explica.

O equipamento consiste em uma caldeira com 2 metros por 1 metro de diâmetro e uma turbina com 30 a 50 centímetros. O maior desafio da equipe foi adaptar uma turbina de grande porte, geralmente usada em indústrias que geram grandes quantidades de resíduos orgânicos, como madeireiras, para um tamanho menor. “Desmontamos uma turbina de quase dois metros para transformá-la em um equipamento com 50 centímetros de diâmetro por 60 centímetros de comprimento. Foi um trabalho árduo. Levamos cerca de oito meses”, detalha Cavalcante.

Sustentabilidade

Nos testes realizados pela equipe, a turbina foi capaz de produzir cerca de 500W, funcionando em baixa pressão e sendo alimentada com 250 kg de biomassa. O desempenho superou as expectativas. “A hipótese era alcançar uma potência elétrica máxima de até 500W, e o sistema superou essa expectativa, mantendo uma velocidade de rotação e energia elétrica confiável para gerar eletricidade em valores mais altos”, afirmam os autores do estudo.

Um dos principais méritos do estudo, destacam os criadores, é o fato de que o equipamento gera uma quantidade razoável de energia com uma pequena quantidade de biomassa. O uso de biomassa para a geração de eletricidade também é um ponto positivo da turbina, considerando a questão ambiental. O combustível seria descartado e o processo não gera poluição proveniente da queima de diesel, argumentam os criadores.

Lucas Lira, professor do Instituto Federal de Brasília (IFB) e engenheiro eletricista pela Universidade de Brasília (UnB), também destaca essa característica do projeto. “Normalmente, a biomassa é considerada uma opção sustentável, pois sua produção e consumo fecham um ciclo. As árvores capturam carbono da atmosfera para realizar a fotossíntese e crescer. Quando são queimadas, liberam carbono na atmosfera, que será capturado pela próxima geração de árvores, fechando o ciclo. Não há emissões residuais de carbono na atmosfera”, explica.

Outra vantagem da turbina a vapor é que, por operar em baixa pressão, ela pode ser manuseada sem a necessidade de acompanhamento especializado. Ivan Marques de Toledo Camargo, professor do Departamento de Engenharia Elétrica da UnB, avalia que essa característica é importante porque torna a tecnologia de baixa manutenção e de fácil manuseio. “Essas turbinas têm maior eficiência para pequenas aplicações. Portanto, é necessária menos manutenção e menos material, o que é importante para fornecer energia elétrica em locais de difícil acesso, onde levar linhas de transmissão é complicado”, afirma.

Esse foi um dos critérios estabelecidos pela equipe de criadores. “Decidimos trabalhar com um sistema térmico para geração de eletricidade, mas que pudesse ser operado e mantido pelas próprias comunidades ribeirinhas”, conta Cavalcante. O professor do IFB ressalta ainda a possibilidade de redução dos riscos de acidentes ao manusear o equipamento. “Além disso, é uma opção mais democrática, pois não requer uma infraestrutura altamente especializada e pode ser acessada por um número maior de pessoas”, acrescenta Lira.

Limitações

Apesar do grande potencial, a tecnologia apresenta algumas limitações, de acordo com especialistas e os próprios criadores. Segundo Lira, em condições de baixo consumo, a eficiência da turbina ainda é muito baixa. “Seria interessante buscar aplicações para o calor residual do sistema. Ao gerar eletricidade, também há produção de calor”, indica.

O professor também ressalta a necessidade de avaliar as demandas de eletricidade para o funcionamento de aparelhos domésticos. “É preciso lidar melhor com as variações de demanda, com o consumo que aumenta e diminui. Por exemplo, em determinado momento, todas as luzes e a televisão podem estar ligadas, enquanto em outro momento, apenas um quarto está consumindo eletricidade.”

Os próximos passos do projeto incluem testar microturbinas que possam ser otimizadas para uso individual. Além disso, segundo Cavalcante, os pesquisadores estão trabalhando em uma hidroturbina que funcione de acordo com as características específicas dos rios amazônicos. “Nossos rios têm volume, mas não possuem alta velocidade de água. Isso faz com que nossa hidroturbina tenha um funcionamento inédito”, conclui.