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Regra antidesmate da União Europeia causa apreensão no agronegócio

A maioria dos setores encontra dificuldades em cumprir as normas da União Europeia e alega que a nova legislação é ainda mais rigorosa do que o Código Florestal brasileiro, buscando prevalecer sobre ele

Regra antidesmate da União Europeia causa apreensão no agronegócio

A União Europeia está gerando preocupação entre os produtores brasileiros com sua regra antidesmatamento, que proíbe a importação de produtos provenientes de áreas desmatadas. Alguns produtores estão enfrentando dificuldades para cumprir essa norma e alegam que as exigências europeias são ainda mais rigorosas do que a legislação brasileira. Eles alertam para o potencial aumento de custos e a perda de competitividade dos produtos brasileiros enviados à Europa.

Os laços comerciais entre o Brasil e a UE têm experimentado um crescimento significativo. A corrente de comércio passou de US$ 69,9 bilhões em 2018 para US$ 74,8 bilhões em 2021 e atingiu US$ 95,2 bilhões em 2022, com um valor de US$ 95 bilhões em um período de 12 meses até junho. A UE ocupa a posição de segundo principal destino das exportações brasileiras, ficando atrás apenas da China. No entanto, o futuro dessa relação no médio prazo é incerto.

Aprovado em abril pelo Parlamento Europeu e em vigor desde 29 de junho, o Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR, na sigla em inglês) deve impactar 356 produtos brasileiros de sete cadeias produtivas – café (que tem metade da produção exportada para a Europa), soja (15%), carne bovina e couro (5%), cacau (5%), madeira e papel (13%), óleo de palma (10%) e borracha (4%), segundo o Ministério da Agricultura.

Gráficos União Europeia

A lei europeia proíbe a entrada de produtos provenientes de áreas com qualquer nível de desmatamento até dezembro de 2020, seja legal ou não. O Código Florestal brasileiro permite que na Amazônia legal sejam desmatadas 20% da área de floresta onde a propriedade está situada e 65% no cerrado.

Dentre as principais punições que a nova legislação europeia prevê estão a suspensão do comércio importador, apreensão e destruição dos produtos e multas de até 4% do valor anual arrecadado pela operadora responsável. A nova regra começa a ser aplicada em dezembro de 2024, o que significa que produtores têm menos de 18 meses para implementar mecanismos e rastrear as cadeias.

A UE diz que é necessário recolher dados sobre coordenadas de geolocalização de onde foram produzidas as commodities e que grandes produtores e exportadores são responsáveis por fiscalizar, podendo comparar a geolocalização com imagens de satélite ou mapas de cobertura florestal para avaliar o atendimento aos requisitos.

Pequenos e médios produtores têm 24 meses para se adaptar. Muitos não sabem direito como fazê-lo. Alguns estão mais avançados, caso do setor cafeeiro, mas como carne bovina e soja ainda têm dúvidas de como prosseguir. “Como os produtores brasileiros podem se adaptar às novas regras é a pergunta do milhão. Não há clareza”, afirma Daniel Tronco, sócio responsável pela área de agronegócios do Felsberg Advogados.

“O desafio é rastrear a cadeia da produção até o transporte para a armazenagem e de lá até o embarque no porto.” Segundo ele, empresas e setor público ainda estão mensurando o impacto econômico da nova regulamentação, e o custo dessa rastreabilidade ainda não está precificado.

“A perspectiva é que os custos aumentem. Isso é inexorável”, diz. “Estamos diante de uma decisão irreversível e agora precisamos debater e estabelecer normas que façam sentido. Mas as regras ainda não estão claras. Cada empresa está pensando sua própria metodologia.”

O setor de café está montando sua própria rede de monitoramento. Segundo Marcos Matos, diretor geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), 94% do café brasileiro é produzido em São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Paraná.

Cerca de 3% da produção ocorre em áreas de agricultura familiar em Rondônia. Com as exigências da UE, a Cecafé criou uma plataforma de rastreabilidade, agregando informações como geolocalização de propriedades e verificação via satélite do tamanho do parque cafeeiro e limites das florestas.

As informações são cruzadas o cadastro ambiental rural, que atesta quem produz em determinada propriedade. Como os produtores brasileiros podem se adaptar às novas regras é a pergunta do milhão. Não há clareza” — Daniel Tronco “Associados nossos já desenvolviam mecanismos de rastreabilidade, isso não é novo. Mas com novas regras em tempos de ESG e due dilligence, que demanda um raio X social, indicando a existência de trabalho escravo ou desmatamento, decidimos nos unir e mostrar que o Brasil é organizado”, afirma, ao acrescentar que o setor de café participa de um projeto dentro do programa espacial europeu para monitoramento de áreas plantadas.

“Se o Brasil não atende às regras, quem atende? Já temos cadastro ambiental, Código Florestal. Temos condições de nos adequar em 18 meses.” O setor de carne bovina ainda não sabe ao certo quais procedimentos terá de implementar para conseguir cumprir as exigências até dezembro de 2024.

“Não sabemos quais mecanismos usar. Se quisermos cumprir tudo, teremos de rastrear desde o nascimento do animal, e não apenas a última fazenda por onde ele passou antes do abate”, diz Paulo Mustefaga, presidente executivo da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo).

“Se formos cumprir tudo o que determina o novo regulamento para exportar para a UE, quantos dólares a mais vai nos custar? Ainda não sabemos, mas haverá mais custos de certificação e implementação, o que pode resultar em perda de competitividade dos nossos produtos.” Mustefaga argumenta que um produto pode ser barrado na Europa por ser proveniente de área desmatada ilegal segundo as regras europeias, mas legal dentro do Código Florestal brasileiro, o que para ele é “uma grande incoerência”.

Para Antonio Galvan, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), as regras europeias atropelam as brasileiras e têm motivações econômicas. Ele afirma que é necessária a expansão da área cultivada para dar conta da demanda global de alimentos e defende a busca de mercados alternativos à Europa.

“Parece que há loucos que aceitariam o quilograma do feijão a R$ 100, sem se importar com quem não tem dinheiro para pagar. Se forem adiante com essas regras, o mundo passará fome e haverá redução da população a qualquer custo”, diz.

Galvan argumenta que os produtores têm direito de ampliar a produção e de converter a área de pecuária para uso agrícola, o que pode infringir a lei europeia. Renata Bueno, secretária de Inovação, Desenvolvimento Sustentável, Irrigação e Cooperativismo do Ministério da Agricultura e Pecuária, reconhece que as regras da UE não são um cenário isolado, mas acredita que elas não visem apenas à redução do desmatamento.

“Essa é uma lei, com efeito de contrato, unilateral, discriminatória, de aplicação extraterritorial, que não garante efeito sobre a redução do desmatamento e nem tampouco valoriza as práticas sustentáveis ou a conservação ambiental”, afirma.

Bueno observa que a Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, vem sendo enfraquecida por coalisões paralelas, com “narrativas enviesadas”. “Com o passar dos anos, em especial desde o Acordo de Paris, o que se observa é o surgimento de uma profusão de coalisões e de acordos paralelos à Convenção do Clima, em iniciativas lideradas pelos países ricos com demandas que afetam mais diretamente os países em desenvolvimento, focando em fontes de emissões minoritárias, como agricultura, resíduos urbanos e mudanças no uso da terra, ou mesmo gases de efeito estufa secundários, como o metano”, diz.

“É uma disputa econômica, com instrumentos de protecionismo. Se houvesse um esforço sério para tratarmos as causas das mudanças climáticas teríamos que ter ações muito urgentes sobre o setor de combustíveis fósseis.” Segundo as Nações Unidas, o uso de carvão, petróleo e gás natural para gerar energia produzem dióxido de carbono, um dos gases de efeito estufa. A extração de petróleo e gás, a mineração de carvão e os aterros sanitários, por sua vez, respondem por 55% das emissões de metano, outro gás de efeito-estufa, provocadas pelo homem.

Outros 32% são atribuíveis a vacas e outros ruminantes que fermentam alimentos em seus estômagos. A decomposição do esterco e o cultivo do arroz são outras fontes. Bueno afirma que quando UE concentra os ataques no desmatamento, prejudica a imagem do agronegócio brasileiro e protege seu próprio desenvolvimento, que depende de combustíveis fósseis.

Ela argumenta ainda que legislação brasileira representada pelo Código Florestal é a “mais moderna e de maior impacto ambiental positivo do mundo” e não vê necessidade de revisão diante da divergência com as regras da UE. “O desmatamento ilegal deve ser tratado no rigor da lei e o desmatamento legal pode ser evitado com práticas de incentivo à conservação.

O Ministério do Meio Ambiente está atento a essas demandas e tem grande interesse em viabilizar caminhos para conservação”, diz. O Ministério da Agricultura auxilia o produtor de commodities em duas frentes: no desenvolvimento de plataforma georreferencial com mecanimos de rastreabilidade e com a consulta pública ao programa Caborno+Verde, para agregação de valor aos itens produzidos com compromissos ambientais.

Nos bastidores, contudo, diplomatas da UE afirmam que as regras do bloco protegem o comércio e passam maior segurança aos compradores, ao garantir que tratam-se de produtos sem relação com desmatamento, que vinha prejudicando a imagem do Brasil. E dizem que a última coisa que a Europa deseja é ver o comercial com o Brasil diminuir.