
O bem-estar animal na produção agropecuária segue como assunto de grande destaque na mídia mundial e fomenta o número de discussões sobre o assunto. Michael C. Appleby, conselheiro-chefe de Ciência e Agropecuária Humanitária e Sustentável da Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA, na sigla em inglês), comenta, em entrevista exclusiva concedida à Avicultura Industrial e Suinocultura Industrial, a atual relação entre o bem-estar animal, a produção de alimentos no mundo e os seus benefícios. Appleby também apresenta parâmetros específicos das indústrias de aves e de suínos sobre o tema. Acompanhe:
AISI- Qual é a relação entre o bem-estar animal e a produção de alimentos no mundo de hoje?
Michael- A WSPA é muito atuante nesta área porque um número cada vez maior de pessoas, em todos os países, vem se preocupando com o bem-estar dos animais criados ou abatidos para nos servirem de alimento. Isto, em parte, acontece devido à intensificação e à industrialização da produção agropecuária, a qual envolve algumas práticas que afetam o bem-estar dos animais, suscitando preocupações, como nos casos em que eles são mantidos em gaiolas ou criados em altas densidades populacionais. Todavia, tais preocupações nem sempre implicam desvantagens para a produção agropecuária. Uma mudança de foco mais voltada aos animais, e não somente a objetivos estritamente econômicos, leva à identificação de várias situações em que o aprimoramento das condições de criação dos animais – como, por exemplo, nos casos de prevenção de ferimentos e doenças – traz igualmente benefícios a criadores e consumidores.
AISI- No que diz respeito à produção agropecuária sustentável, que tipos de benefício as políticas de bem-estar animal podem gerar em âmbito global?
Michael- Elas geram dois tipos principais de benefício. Primeiro, como acabei de falar, ao se focarem mais nos animais, adotando uma postura mais biológica do que tecnológica no desenvolvimento de modelos agropecuários, estas políticas ajudam a identificar novas formas de aprimoramento destes modelos, não apenas no que diz respeito ao meio ambiente e à sua economicidade, mas também quanto ao seu impacto sobre o bem-estar dos animais. O trabalho realizado pela doutora Temple Grandin referente ao manejo pré-abate dos animais, por exemplo, vem enfatizando a importância do uso de técnicas menos estressantes, como a orientação e o deslocamento de animais por meio de bandeiras ou chocalhos, em vez de chicotes. Quando os animais estão menos estressados e apresentam menos ferimentos, o retorno financeiro é sempre maior e há um desperdício menor de recursos, assim como um aprimoramento no bem-estar animal.
AISI- Nos casos específicos das indústrias de aves e de suínos, que tipos de benefício o bem-estar animal pode gerar?
Michael- As indústrias aviária e suinícola apresentam uma série de desafios para o bem-estar animal porque, em muitos países, elas vêm sendo submetidas a uma intensificação e industrialização maiores do que em outros setores de criação animal. Paradoxalmente, no entanto, são estas mesmas indústrias que vêm liderando a busca por novas formas de promoção e de preservação do bem-estar animal. Um exemplo está na criação de galinhas poedeiras, com a substituição das gaiolas de bateria por outros modelos que não se baseiam em confinamentos. Muitos produtores já vêm também se beneficiando de mercados mais voltados a produtos obtidos através de práticas e políticas de bem-estar animal no comércio de carne suína, aves e ovos. Estes modelos de produção têm grande potencial para elevar a sustentabilidade de seus processos industriais. Desta forma, já é consensual que a criação de que vacas soltas em pastos gera uma produção menor de gases do efeito estufa, se comparada a modelos em que bovinos são alimentados sob sistemas intensivos de confinamento, uma vez que os pastos são ótimos para a absorção de carbono. Muito provavelmente, o mesmo se pode dizer de porcos e de aves criados ao ar livre e se alimentando diretamente da vegetação local ao invés de grãos e de concentrados de rações, cuja produção tem se mostrado ambientalmente ineficiente.
AISI- Por que o bem-estar animal é fundamental na elaboração de políticas e soluções globais e nacionais voltadas a um cenário de segurança alimentar e de desenvolvimento sustentável?
Michael- Por razões semelhantes às já expostas na minha resposta à sua segunda pergunta. Primeiro, porque a adoção de políticas mais centradas nos animais leva à identificação das deficiências dos atuais modelos de criação e à sinalização de soluções mais eficientes. Um exemplo está na alimentação de animais por meio de rações à base de grãos artificiais, o que não tem qualquer eficiência do ponto de vista energético. Para o bem-estar destes animais, seria melhor mantê-los em condições nas quais possam ter acesso à sua dieta natural – embora, talvez, em quantidades mais reduzidas –, liberando os grãos para consumo humano. Realmente, como enfatizado em minha resposta à sua primeira pergunta, há várias situações – particularmente nos casos de populações rurais e de agricultura familiar, onde a garantia de segurança alimentar é importante – nas quais o aprimoramento das condições dos animais também gera benefícios aos seus criadores e àqueles que deles dependem para se alimentar.
A segunda razão é porque quaisquer soluções propostas para um desenvolvimento sustentável devem ser aceitáveis a todas as pessoas por elas afetadas, incluindo os criadores de animais e os consumidores. Também há cada vez mais evidências de que quando uma solução proposta afeta negativamente o bem-estar dos animais, ela terá problemas para ser implementada.
AISI- Por favor, fale um pouco da sua participação na Rio+20, dando todas as informações que você julgar relevantes.
Michael- A WSPA ajudou a assegurar que, no documento final da Conferência, fosse verbalizada a importância das condições de saúde dos animais e das práticas sustentáveis de produção e de criação, formalizando assim o primeiro acordo internacional com esta inflexão e com poder de influenciar a indústria pecuária em todo o mundo. O tratamento humanitário de animais fomenta práticas mais sustentáveis e vice-versa. Ademais, tais práticas não poderão ser alcançadas se não tratarmos os animais de forma adequada e humanitária.











