
O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia voltou a enfrentar forte turbulência política. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil pode desistir da negociação caso a União Europeia adie novamente a votação que permitiria a assinatura do pacto, aguardado há mais de duas décadas. A declaração ocorreu após França e Itália solicitarem a Bruxelas o adiamento da decisão prevista para esta semana.
Segundo Lula, a falta de avanço compromete a credibilidade do processo. O presidente destacou que o acordo, negociado há 26 anos, já contempla concessões significativas por parte do Mercosul e classificou a postura de países europeus como excessivamente influenciada por pressões internas, especialmente do setor agrícola.
Resistência europeia e foco na agricultura
França e Itália lideram a oposição ao avanço imediato do acordo, exigindo garantias adicionais para proteger os agricultores europeus. A preocupação central está no impacto da redução tarifária sobre produtos agropecuários, incluindo carnes e grãos, provenientes do Mercosul.
Autoridades italianas defendem que o bloco sul-americano aceite mecanismos vinculantes que permitam à União Europeia reagir caso importações afetem a renda dos produtores locais. Entre as propostas estão salvaguardas bilaterais que possibilitariam a reintrodução de tarifas se houver aumento excessivo de importações ou queda acentuada de preços.
Risco de colapso das negociações
Diplomatas europeus alertam que um novo adiamento pode inviabilizar definitivamente o acordo. Avaliação compartilhada por representantes do próprio bloco indica que a paciência dos países latino-americanos está se esgotando diante da demora europeia em concluir o processo.
Apesar disso, fontes diplomáticas afirmam que ainda existe a possibilidade de um entendimento em uma cúpula prevista para ocorrer em Bruxelas, desde que as salvaguardas sejam formalizadas e aceitas pelo Mercosul por meio de instrumentos jurídicos complementares.
Divisão interna na União Europeia
Enquanto França, Itália e Polônia demonstram resistência, países como Alemanha e Espanha pressionam pela aprovação do acordo, interessados principalmente na ampliação das exportações de automóveis, máquinas e bens industriais para o mercado sul-americano.
A Itália ocupa posição estratégica nesse cenário. Embora seu setor industrial seja amplamente favorável ao pacto, o governo mantém cautela. A primeira-ministra Giorgia Meloni classificou a assinatura imediata como prematura, afirmando que medidas como fundos de compensação, reforço na fiscalização e controles de fronteira ainda não estão plenamente definidas.
Credibilidade e estratégia comercial em jogo
Para a Comissão Europeia, o impasse ultrapassa a dimensão comercial. O comissário europeu de Comércio, Maroš Šefčovič, alertou que a postergação da votação coloca em risco a credibilidade e a previsibilidade da União Europeia como parceiro comercial. Segundo ele, a decisão tem caráter estratégico em um contexto de crescente concorrência global.
A mesma avaliação é compartilhada por lideranças de países do Norte da Europa, que defendem uma postura mais ativa do bloco para não perder espaço econômico frente a Estados Unidos e Ásia.
Histórico de pressão do Mercosul
O risco de ruptura não é novo. Em 2023, autoridades do Mercosul já haviam sinalizado que poderiam abandonar as negociações caso a União Europeia não avançasse na ratificação do tratado. Apesar de um acordo técnico ter sido alcançado posteriormente, a fase política segue marcada por entraves e incertezas.
Caso não haja avanço concreto nos próximos dias, o acordo Mercosul–União Europeia, que seria o maior tratado comercial já firmado pelo bloco europeu, pode entrar em um novo período de indefinição, com impactos diretos para o comércio agroindustrial e para as relações estratégicas entre os dois blocos.
Referência: Financial Times











