
Entre os dias 16 e 18 de setembro últimos tive a oportunidade de participar do 10º Simpósio Técnico de Matrizes, Incubadoras e Nutrição em Balneário Camboriú (SC). Foi um excelente evento, muito bem organizado, com a participação de diversas empresas, tanto integradoras quanto fornecedoras.
Houve duas palestras proferidas por Bernand Green, um consultor da África do Sul, que tratou diretamente de ambiência: uma lidando com aspectos de ambiência durante calor e a outra no frio. Entre as várias sugestões apresentadas pelo Sr. Green, incluindo a vedação das laterais e do teto e o uso de isolamento, uma em particular me incentivou a escrever esta nota: sobre o uso de barreiras radiantes em galpões de frango. É um assunto que, vez por outra, aparece no decorrer do meu trabalho durante palestras sobre assuntos relacionados a conforto térmico e eficiência energética de edificações.
Isolamentos refletivos ou barreiras radiantes são formados, via de regra, por uma película de metal com baixa emissividade que, ao ser instalada voltada para um espaço vazio (ocupado pelo ar), reduz as trocas de calor por radiação térmica. Há dois efeitos importantes causados pela superfície de baixa emissividade: ela emite menos radiação térmica e ela reflete mais a radiação incidente.
Calor é transferido de uma região quente para uma região fria por uma combinação de condução, convecção e radiação[1].
- 1. Condução acontece através de um material estacionário, como acontece através de um garfo cuja ponta se aquece ao mergulhá-lo numa comida quente[2].
- 2. Convecção ocorre quando um fluido (líquido ou gás) transfere calor de (ou para) uma superfície que se encontra mais quente (ou mais fria) que o fluido. Há dois processos envolvidos: a condução de calor adjacente à superfície para o fluido e o transporte da energia no fluido em movimento, o qual chamamos de advecção. Há duas formas: convecção forçada (quando um mecanismo externo, como vento gerado por um ventilador, gera o movimento do fluido) ou convecção natural (quando a diferença de densidade causada por diferenças de temperatura faz o fluido se movimentar).
- 3. Radiação térmica ocorre entre duas superfícies que estão a diferentes temperaturas. As duas superfícies emitem radiação térmica, mas a que está mais quente emite mais, de forma que o fluxo líquido de calor por radiação é da superfície quente para a superfície fria. Radiação viaja em linha reta e é emitida em diversas direções de uma superfície. Um bom exemplo é um assado de churrasco: a carne assa porque a sua superfície é aquecida pelas brasas do carvão[3].
Naturalmente, temos que trazer esta discussão para galpões de animais e, em particular, de frangos, matrizes e poedeiras. A superfície mais quente de todo o galpão é a do telhado num dia de sol. Dependendo da cor do telhado e das condições de vento externo, a temperatura pode passar dos 80°C. A Figura 1 mostra o balanço térmico de um telhado de um galpão avícola não isolado.
Figura 1. Diagrama esquemático do balanço térmico de um telhado não isolado de um galpão avícola.
A radiação solar é absorvida pelo telhado o qual perde calor por radiação para o céu, por convecção para o vento externo, por convecção para o ar interior e por radiação para as superfícies interiores ao galpão (incluindo aí os frangos). O telhado chega então a uma temperatura tal que equilibra todos estas trocas de calor, de forma que energia seja conservada. Qual é o nosso objetivo num dia quente? Reduzir ao máximo a radiação interior e a convecção interior. Há duas formas de fazer isto: reduzir a temperatura do telhado ou reduzir a influência desta temperatura sobre os fluxos de calor internos.
Para reduzir a temperatura do telhado não adianta querer mudar so fatores externos, uma vez que eles não podem ser controlados: o céu e o vento estão como estão e não adianta chiar. É possível diminuir a absorção escolhendo um telhado branco que reflita e plantando-se árvores no lado do galpão para criar sombreamento. Embora ele exija alguma manutenção, um telhado branco pode reduzir em muito o ganho solar do telhado, mas este não é o ponto deste artigo.
A alternativa é reduzir a influência da temperatura do telhado sobre os fluxos de calor internos instalando sob as telhas algum tipo de isolamento[4]. É aqui que os proponentes de barreiras radiantes sugerem o seu uso como uma alternativa mais econômica para isolantes térmicos de espuma e fibrosos. Vamos analisar as situações[5].
O desempenho térmico do telhado do galpão depende muito das condições de operação do mesmo. Aqui considerei o galpão ventilado com túnel com uma velocidade máxima de 3,5 m/s, porque é a condição mais crítica para o resfriamento do mesmo[6]. Nesta condição, a convecção de calor do telhado para o ar é ligeiramente dominante, ou seja, a maior contribuição do calor que adentra o galpão através do telhado aquece o ar e o restante aquece os frangos e as paredes internas via radiação térmica. Estou analisando a situação com a irradiação solar variando de 0 a 1.000 W/m2. Ao longo do dia, a irradiação solar varia de zero durante a noite e vai aumentando conforme o sol sobe do horizonte. Dependendo do local e do dia do ano, este valor pode chegar a 1.300 W/m2. Por exemplo, conforme o arquivo climático de Curitiba o valor chega a 1.237 W/m2 no dia 27 de dezembro. Este valor pode ser visto em arquivos climáticos do local do galpão para cada hora do ano.
Antes de começar a olhar gráficos, é importante considerar que com frangos de corte prontas de 48 dias, por exemplo, considerando 16 aves por metro quadrado, há uma geração praticamente constante de pouco menos de 200 W/m2 de galpão. É com este valor que temos que comparar o calor que entra no galpão via telhado.
A Figura 2 mostra os fluxos de calor por radiação, por convecção e total na inexistência de barreira radiante ou de isolamento térmico. Num dia quente de céu claro considerando uma irradiação solar de cerca de 1.000 W/m2, o calor que adentra o galpão via telhado é de pouco mais de 500 W/m2. Isto significa que o calor total que precisa ser retirado pelos exaustores é de cerca de 700 W/m2, o que é completamente inviável ao se limitar a velocidade do ar em 3,5 m/s. Ventilação é fundamental em galpões de frangos, mas não faz milagre. As aves têm que lidar diretamente com a maior parcela da radiação do telhado, que é de cerca de 235 W/m2, que é mais do que elas geram metabolicamente. A convecção aquece o ar numa taxa de 280 W/m2; a temperatura ao longo do galpão vai aumentar demais.
Figura 2. Fluxos internos de calor em um galpão submetido a diferentes níveis de irradiação solar.
A instalação de uma barreira radiante perfeita abaixo das telhas diminui bastante o fluxo de calor por radiação porque a baixíssima emissividade de uma superfície de alumínio novo e limpo é de cerca de 0,05. Compare isto com a emissividade do telhado original que seria de aproximadamente 0,9. A Figura 3 apresenta os fluxos de calor para o telhado com barreira radiante. Note que há uma redução significativa do fluxo de calor por radiação (para 20 W/m2) e um pequeno aumento do fluxo de convecção. Como a radiação ainda era uma grande parcela do fluxo total, há uma sensível diminuição do fluxo de calor para o galpão (cerca de 25%). Porém, há um aumento significativo da convecção para o ar que chega a 375 W/m2. Via telhado o ar aquece mais, mas como a radiação diminiu significativamente, neste caso a temperatura do ar aumentará menos do que sem barreira radiante.
Figura 3. Fluxos internos de calor em um galpão com barreira radiante submetido a diferentes níveis de irradiação solar.
Uma pergunta esperada é entender porque aumenta o fluxo de convecção quando se instala uma barreira radiante. O motivo é que com a diminuição da radiação, a temperatura da superfície interna da barreira radiante tem que subir para que haja conservação de energia. O efeito na temperatura pode ser visto na Figura 4.
Figura 4. Temperatura da Superfície Interna do Telhado Sem e Com Barreira Radiante.
Como isto se compara com uma camada de isolante térmico? Há vários isolantes térmicos usados em galpões de frangos e matrizes pelo mundo, desde fibrosos a espumas, mas no Brasil usamos principalmente espumas para que as superfícies possam ser lavadas[7]. Considere a instalação de 25 mm de poliestireno extrudado (XPS) sob as telhas[8]. A Figura 5 apresenta os fluxos de calor no galpão para esta situação. Repare que o fluxo de calor diminuiu em cerca de 85% se comparado ao fluxo que havia no galpão não insolado. Se compararmos com os resultados obtidos com a barreira radiante, o isolante térmico reduz ambos os fluxos tanto por convecção e por radiação, enquanto a barreira radiante reduz somente o fluxo por radiação. Os fluxos por radiação são semelhantes para as condições consideradas nesta nota, sendo que a barreira radiante apresenta uma redução um pouco maior para a radiação.
Figura 5. Fluxos internos de calor em um galpão com isolante térmico (uma polegada de XPS) submetido a diferentes níveis de irradiação solar.
Barreiras radiantes funcionam melhor quando novas (não oxidadas) e quando completamente limpas. Galpões de aves apresentam grandes desafios para a manutenção das condições de trabalho de barreiras radiantes, uma vez que têm poeira e alta umidade relativa. A Figura 6 apresenta uma foto de um cabo elétrico no interior de um galpão de produção de frangos de corte.
Figura 6. Cabo elétrico coberto por poeira no interior de um galpão de produção de frangos de corte.
Considere uma deterioração da emissividade da barreira radiante que aumenta a sua emissividade de 0,05 para 0,2[9]. A Figura 7 mostra os fluxos de calor para esta situação. A deterioração da barreira radiante para uma emissividade de 0,2 aumenta o fluxo de calor por radiação cerca de 3,7 vezes reduzindo a sua eficácia a somente 18% de redução do fluxo total de calor.
Figura 7. Fluxos internos de calor em um galpão com barreira radiante com emissividade de 0,2 submetido a diferentes níveis de irradiação solar.
A Tabela 1 mostra o desempenho dos diferentes sistemas considerados sob uma irradiação solar de 1.000 W/m2. O fluxo de calor total pode ser comparado com o calor gerado pelos frangos por metro quadrado de aproximadamente 200 W. As barreiras radiantes diminuem o fluxo de calor total, mas ele continua sendo quase duas vezes o calor gerado pelos frangos. Por outro lado, o isolante térmico reduz o fluxo de calor do telhado para menos da metade do calor gerado pelos frangos. A resistência térmica efetiva entre a temperatura externa do telhado e a temperatura interna do ar do galpão também é uma forma de comparar o desempenho das diferentes configurações. Enquanto a barreira radiante eleva a resistência em 1,74 vezes (emissividade de 0,05) e em 1,52 vezes (emissividade de 0,2), o isolante térmico eleva a resistência em mais de 12 vezes.
Tabela 1. Resumo dos resultados de balanço energético do telhado de galpões de aves com diferentes configurações.
| Telhado Simples | Isolante Térmico (25 mm de XPS) | Barreira Radiante (ε=0,05) | Barreira Radiante (ε=0,2) |
Fluxo por Convecção [W/m2] | 282 | 50 | 375 | 353 |
Fluxo por Radiação [W/m2] | 236 | 36 | 20 | 73 |
Fluxo Total [W/m2] | 518 | 86 | 395 | 426 |
Temperatura do Teto [°C] | 60 | 27 | 74 | 70 |
Resistência Efetiva [m2.K/W] | 0,0778 | 0,9595 | 0,1357 | 0,1184 |
A Tabela 2 apresenta o resultado de cada configuração em relação ao telhado simples. Nos fluxos de calor, o interessante seria reduzir o fluxo e na resistência térmica efetiva o melhor seria aumentá-la. As barreiras radiantes conseguem reduzir o fluxo de calor por radiação de maneira muito eficiente, mas elevam o fluxo de calor por convecção. O efeito composto é a redução do fluxo total em 24% (barreira com emissividade de 0,05) e 18% (barreira com emissividade de 0,2). O isolante térmico de XPS com uma polegada reduz os fluxos de maneira uniforme em pouco mais de 80%. A resistência térmica efetiva é aumentada em 74% e 52% para barreiras radiantes com emissividade de 0,05 e 0,2 respectivamente. Já o isolante térmico aumenta a resistência térmica efetiva em 1.133%.
Tabela 2. Efeito de cada configuração em relação ao telhado simples.
| Isolante Térmico (25 mm de XPS) | Barreira Radiante (ε=0,05) | Barreira Radiante (ε=0,2) |
Convecção | Diminui em 82% | Aumenta em 33% | Aumenta em 25% |
Radiação | Diminui em 85% | Diminui em 92% | Diminui em 69% |
Fluxo Total | Diminui em 83% | Diminui em 24% | Diminui em 18% |
Resistência Efetiva | Aumenta em 1.133% | Aumenta em 74% | Aumenta em 52% |
Conclusões
Barreiras radiantes reduzem o fluxo de calor por radiação, mas seu efeito no fluxo total de calor é relativamente modesto se comparado a um isolante térmico. Na nota foi feita uma comparação entre o desempenho de um galpão de frangos de corte com diferentes configurações de telhado (simples, com barreira radiante ou com uma polegada de poliestireno extrudado).
No caso de galpões, onde umidade e poeira estão presentes, a preservação da baixa emissividade da superfície de uma barreira radiante é difícil, ocasionando numa perda de rendimento da barreira radiante. Por isto, barreiras radiantes com dois níveis de emissividade térmica (alumínio novo – 0,05 e alumínio deteriorado – 0,2) foram considerados. O resultado mostra que a deterioração, seja por depósito de poeira ou por oxidação, causa uma perda de rendimento da barreira radiante.
[1] Tenho a impressão de já ter discutido isto em um artigo anterior, mas acho que vale a pena fazer novamente.
[2] Via de regra, talheres são feitos de aço, que tem uma condutividade térmica baixa. Se fossem feitos de cobre ou de ouro, aí seria interessante ver alguém mergulhando uma colher numa sopa quente.
[3] Tchê, a temperatura dos gases é praticamente irrelevante para assar a carne: a radiação é dominante.
[4] Forro de lona não é isolamento. Ele atenua um pouco o ganho de calor, uma vez que a temperatura da lona é menor do que a temperatura do telhado, mas esta atenuação é pequena.
[5] Condições: temperatura do ar externo é de 35°C, temperatura do ar do galpão e temperatura efetiva do céu são de 20°C, coeficiente de transferência de calor por convecção é de 2 W/m2.K com o ar externo e de 7 W/m2.K com o ar do galpão, todas emissividades são iguais a 0,9, exceto a da barreira radiante, absortância solar do telhado é de 0,8.
[6] Em outras etapas da produção de frangos no galpão, quando se utiliza ventilação mínima, esta velocidade é muito menor, modificando assim o cálculo.
[7] Nem todas as espumas se comportam da mesma forma na presença de água, mas este não é o tema desta nota.
[8] Veja bem: uma polegada de poliestireno extrudado cria uma resistência de R-5 (unidades do sistema britânico), o que é pouco se pensarmos nas normas internacionais. Por exemplo, em alguns casos para telhados nas zonas climáticas do Brasil, a norma ASHRAE 90.1 de 2013 recomenda R-20. Eu poderia justificar duas polegadas com facilidade.
[9] Uma superfície coberta por poeira terá uma emissividade muito maior, próxima a 0,9.











