
Durante uma visita técnica à Espanha onde presto consultoria a Fabricas de ração a mais de uma decada, desta vez fui pego de surpresa por notícias e relatórios oficiais confirmando casos de Peste Suína Africana (PSA/PPA) em javalis selvagens na Catalunha. A convivência entre centros urbanos e áreas naturais, característica marcante daquela região, evidenciava rapidamente a gravidade da ameaça. O ambiente era de alerta máximo: projetos de expansão do setor suinícola foram imediatamente suspensos, empresas interromperam investimentos, fórmulas nutricionais começaram a ser revisadas para redução de custos e o clima geral era de preocupação crescente, tanto com o plantel quanto com os impactos econômicos de médio e longo prazo.
O episódio, embora localizado, carregava forte simbolismo global. Num país com tradição suinícola, estrutura produtiva sólida e vigilância ativa, o surgimento do vírus entre animais selvagens expôs vulnerabilidades compartilhadas por toda a cadeia internacional de proteína animal. Este artigo analisa o ocorrido na Espanha, discute suas origens, as medidas implementadas, a reação da sociedade, e estabelece um paralelo com o status sanitário do Brasil — destacando a importância de prevenção, biosseguridade e controle de fauna selvagem também em nosso território.
1. O Surto entre Javalis na Catalunha: Contexto e Origem das Contaminações
A PSA, doença viral altamente resistente no ambiente e de letalidade extremamente elevada para suínos domésticos e selvagens, não oferece risco direto à saúde humana, mas gera impactos econômicos profundos.
Na Espanha, o vírus foi detectado inicialmente em javalis selvagens, espécie cuja população cresceu substancialmente nos últimos anos, ocupando áreas periurbanas e agrícolas. As rotas mais prováveis de introdução da doença incluíam:
- Movimentação indireta de produtos contaminados, como restos alimentares descartados incorretamente.
- Fluxo internacional de pessoas e cargas, dada a alta conectividade da região.
- Interação entre fauna selvagem e áreas produtivas, ampliada pela expansão urbana.
A presença do vírus em javalis representava uma ameaça imediata, pois animais selvagens atuam como reservatórios eficientes e de difícil controle, perpetuando ciclos independentes do sistema produtivo.
2. Medidas Adotadas pela Espanha e as Dificuldades Sociopolíticas
As autoridades sanitárias espanholas implementaram prontamente ações de contenção, tais como:
- Delimitação de zonas de vigilância e proteção;
- Restrição de acesso a áreas florestais e rotas rurais;
- Busca ativa e testagem de carcaças;
- Fortalecimento da biosseguridade em granjas comerciais;
- Suspensão imediata de novos projetos, ampliações e investimentos no setor suinícola.
Uma das medidas mais sensíveis foi o controle populacional de javalis, prática essencial em termos sanitários, mas socialmente malvista e alvo de críticas intensas por parte de grupos ambientalistas. Apesar das reações negativas, a Espanha manteve a estratégia, por reconhecer que o risco de disseminação do vírus às granjas poderia devastar toda a cadeia produtiva.
No setor privado, assisti diretamente a mudanças rápidas: revisão de dietas, adiamento de decisões estratégicas, contenção de custos e nervosismo generalizado com a possibilidade de paralisação prolongada de atividades.
3. Paralelo com o Brasil: Um Player Global em Segurança e Sanidade
O Brasil ocupa posição privilegiada na suinocultura mundial, sustentado por um dos sistemas sanitários mais robustos do planeta. Somos oficialmente livres da PSA desde 1984, um status mantido graças a políticas consistentes e vigilância permanente.
Entre os pilares desse sucesso destacam-se:
3.1. Plano de Contingência para PSA (PC-PSA)
Estrutura oficial para resposta rápida, definindo protocolos de suspeita, notificação, contenção, eliminação e desinfecção.
3.2. VIGIAGRO e o Controle de Fronteiras
Fiscalização rigorosa em portos, aeroportos e fronteiras, impedindo o ingresso de alimentos e materiais de risco.
3.3. Campanhas Educativas e Conscientização
Materiais destinados a produtores, transportadores, viajantes e consumidores, reforçando riscos e boas práticas.
3.4. Biosseguridade Avançada nas Granjas
Protocolos de acesso, limpeza, desinfecção, manejo de resíduos e quarentena.
Essas práticas consolidam o Brasil não só como exportador estratégico, mas como referência em prevenção sanitária, com credibilidade junto aos mercados internacionais.
4. Controle de Animais Selvagens: Uma Necessidade Também no Brasil
A lição espanhola é clara: animais selvagens são um ponto crítico na defesa sanitária.
No Brasil, onde há presença crescente de javalis e porcos asselvajados, especialmente em regiões agrícolas, o risco de transmissão de doenças — inclusive PSA, caso chegue ao país — torna-se evidente.
O controle populacional, associado a programas de vigilância ambiental e contenção territorial, precisa ser reforçado e ampliado para proteger polos produtivos.
Ignorar esta etapa seria negligenciar uma ameaça real, capaz de comprometer décadas de evolução sanitária e competitividade global.
5. Lições Globais e Responsabilidades Compartilhadas
O caso espanhol demonstra que:
- doenças exóticas podem retornar a qualquer momento;
- a biosseguridade deve ser contínua e integrada entre produção, ambiente e sociedade;
- programas oficiais fortes exigem colaboração irrestrita de produtores, profissionais, autoridades e viajantes.
A PSA, quando estabelecida em fauna selvagem, torna-se praticamente impossível de erradicar. Por isso, a prevenção é mais valiosa — e mais barata — que qualquer estratégia corretiva.
6. Conclusão: Vigilância Permanente e Compromisso Individual
O surto na Catalunha reitera que a sanidade animal é um patrimônio coletivo e que sua preservação depende tanto de políticas robustas quanto de comportamentos responsáveis.
O Brasil mantém posição de destaque global justamente por aplicar rigidamente protocolos, investir em biosseguridade e compreender que prevenir é proteger sua economia, seus produtores e sua reputação internacional.
Em respeito a esse princípio, e considerando a gravidade da situação observada na Espanha, ao retornar ao Brasil cumpri integralmente todos os protocolos de isolamento, biosseguridade e profilaxia recomendados pelas autoridades sanitárias nacionais, mesmo sem ter tido qualquer contato direto com animais, ambientes rurais ou instalações de produção. Mantive quarentena superior a 96 horas, conforme orientações destinadas a viajantes provenientes de regiões afetadas por PSA/PPA.
Trata-se de uma responsabilidade individual que deve servir de exemplo: cada profissional da cadeia produtiva é também guardião do status sanitário brasileiro. E este compromisso, coletivo e permanente, é o que nos mantém entre os líderes mundiais em segurança e sanidade suína.











