
O texto a seguir, retirado da edição nº 929 da revista Avicultura Industrial, de 1987, apresenta uma análise aprofundada sobre a evolução no controle da coccidiose na avicultura industrial. Por muitos anos, a higiene rigorosa foi vista como a principal forma de prevenção, mas casos práticos e estudos ao redor do mundo revelaram um novo entendimento: ambientes excessivamente limpos podem, paradoxalmente, favorecer surtos mais severos da doença. Este artigo discute como a exposição controlada a oocistos, aliada a estratégias de vacinação e uso racional de anticoccidianos, representa hoje uma abordagem mais eficaz e moderna no manejo sanitário dos lotes.
A Higiene no Controle da Coccidiose: Mitos, Realidades e Práticas Modernas
Durante décadas, o controle da coccidiose foi associado diretamente à prática rigorosa da higiene, do isolamento e da desinfecção. Essas medidas foram, por muito tempo, consideradas essenciais para prevenir surtos da doença, conforme recomendavam os manuais clássicos sobre enfermidades avícolas. Acreditava-se, sem reservas, que a completa limpeza dos galpões e a ausência de oocistos (formas resistentes do parasita) na cama e no ambiente representavam a melhor estratégia para evitar a infecção. No entanto, com o avanço do conhecimento técnico e com a observação prática em campo, essa visão passou a ser questionada.
A chamada “síndrome do galpão novo” ilustra bem essa mudança de paradigma. Ela se refere à ocorrência frequente de surtos graves de coccidiose em galpões recém-construídos ou recentemente higienizados, nos quais ainda não houve criação anterior de frangos. Paradoxalmente, quanto mais rigoroso for o protocolo de limpeza e desinfecção — sem qualquer exposição prévia aos oocistos —, maior parece ser a vulnerabilidade das aves, já que seu sistema imunológico não teve oportunidade de desenvolver resistência à infecção.
Em ambientes absolutamente livres de oocistos, as aves permanecem suscetíveis por semanas ou até meses, até que ocorra, inevitavelmente, uma introdução acidental do parasita, seja pelas botas dos trabalhadores, pelos utensílios ou mesmo pelo ar. A partir do momento em que uma única ave ingere um oocisto infeccioso, inicia-se um ciclo de multiplicação intensa. Em poucos dias, centenas de milhares de oocistos são excretados, e em um ambiente úmido e quente — como costuma ser o de um galpão em operação —, esses oocistos amadurecem rapidamente, reinfectando outras aves em questão de dois dias. Quando as lesões internas se tornam evidentes, muitas vezes já é tarde demais para qualquer intervenção eficaz. A mortalidade é alta, e a maioria das aves do lote já foi infectada.
A coccidiose não responde bem a medidas sanitárias tardias. Após a instalação do surto, não há desinfetante capaz de eliminar o parasita dentro do organismo das aves. Remover a cama úmida, desinfetar o galpão ou trocar o lote pode reduzir os danos futuros, mas não impede as perdas do presente. O uso de coccidiostáticos ou anticoccidianos pode oferecer proteção quando aplicado de forma preventiva e estratégica, mas, uma vez que o ciclo da doença esteja avançado, sua eficácia é limitada. A aplicação tardia dessas drogas — após o surgimento das lesões hemorrágicas típicas da coccidiose — resulta em pouco ou nenhum benefício terapêutico.
Por outro lado, em galpões usados anteriormente, onde pequenos níveis de oocistos ainda permanecem na cama, pode ocorrer uma infecção leve e precoce, que não causa sinais clínicos significativos, mas que permite às aves desenvolver uma resposta imunológica eficaz. Esse tipo de exposição controlada acaba promovendo proteção duradoura contra surtos mais severos no futuro. A imunidade adquirida, mesmo que parcial, reduz a severidade da doença e permite a convivência das aves com baixos níveis do parasita sem prejuízo ao desempenho produtivo.
Diversos casos documentados ilustram os riscos de uma abordagem sanitária excessiva. Em 1953, no Egito, 500 galinhas reprodutoras importadas dos Estados Unidos foram alojadas em um galpão novo, completamente desinfetado. Duas semanas após a chegada, surgiu um surto de coccidiose com alta mortalidade, mesmo após trocas de cama, limpeza rigorosa e aplicação de desinfetantes. Somente a exposição contínua ao parasita permitiu que algumas aves desenvolvessem imunidade e sobrevivessem. Outro caso, ocorrido em 1968, envolveu 40.000 aves puras de reprodução, transportadas da Califórnia para a Geórgia em aviões higienizados. A introdução em um ambiente estéril, com cama nova e piso de concreto desinfetado, resultou em um surto seis semanas após a suspensão do anticoccidiano preventivo. O programa teve que ser reformulado, incorporando exposição gradual a oocistos e níveis menores de medicação.
Em 1976, no Japão, surtos de coccidiose intestinal (Eimeria necatrix) e cecal (E. tenella) afetaram severamente lotes de matrizes jovens importadas. Mesmo com protocolos sanitários extremos — troca de roupas, desinfecção de sapatos, chuveiros antes da entrada nos galpões —, a infecção ocorreu quando poucas aves foram expostas acidentalmente aos oocistos. O resultado foi uma infecção severa em aves altamente suscetíveis, com aumento de volume dos intestinos devido ao edema, hemorragias e mortalidade elevada. A solução encontrada foi desenvolver um programa de “sanidade planejada”, que incluía exposição controlada a espécies menos patogênicas de Eimeria e redução no uso de drogas preventivas.
Tais exemplos reforçam que a completa ausência de oocistos, longe de ser uma garantia de sanidade, pode ser um fator de risco, ao impedir o desenvolvimento de imunidade nas aves. O controle moderno da coccidiose caminha, portanto, para estratégias mais equilibradas: ambientes limpos, mas não estéreis; uso inteligente de medicamentos; e, quando possível, a adoção de vacinas específicas para estimular a imunidade precoce.
Em conclusão, embora a higiene continue sendo um componente importante da biosseguridade avícola, ela não deve ser entendida como sinônimo de erradicação total do parasita. Um controle eficaz da coccidiose exige compreensão do ciclo biológico do agente, monitoramento constante dos níveis de infecção e a implementação de práticas que visem à imunidade do lote como um todo. A busca por um equilíbrio entre sanidade, exposição controlada e proteção medicamentosa representa, hoje, a forma mais racional e eficiente de lidar com essa complexa enfermidade.











