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Anuário Avicultura Industrial: Palavra do presidente - "Nosso papel na luta contra a fome", por Ricardo Santin

Anuário Avicultura Industrial: Palavra do presidente - "Nosso papel na luta contra a fome", por Ricardo Santin

Vivemos em um período marcado por avanços tecnológicos surpreendentes, como o rápido progresso da inteligência artificial. Plataformas como o Gemini, do Google, mostram o quanto podemos ir longe em termos de inovação.

Mas, enquanto celebramos essas conquistas, um número insiste em nos lembrar de uma realidade desafiadora: 733 milhões de pessoas passaram fome em 2023, segundo o relatório O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo (SOFI), das Nações Unidas. Isso equivale a uma em cada 11 pessoas no planeta e, na África, a alarmantes uma em cada cinco.

A fome não é apenas uma questão humanitária; é um desafio existencial. O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) n.º 1 da ONU, Fome Zero, reflete a urgência de garantir o direito básico à alimentação. No entanto, essa missão exige mais do que produzir mais alimentos: é crucial combater o desperdício e otimizar as cadeias produtivas.

As perdas de alimentos ocorrem em diversas etapas da cadeia produtiva, desde a colheita até o consumo final. Em países com infraestrutura deficiente, milhões de toneladas são desperdiçadas devido a falhas logísticas, como transporte ineficiente e armazenamento inadequado. Na produção de proteína animal, por exemplo, critérios sanitários interpretados de forma equivocada muitas vezes resultam na condenação de toneladas de carne aptas para consumo.

A carne de frango, em particular, é uma aliada na luta contra a fome. É uma proteína acessível, eficiente em termos de conversão alimentar e adaptável às necessidades de mercados emergentes.  No Brasil, um dos maiores produtores de carne de frango do mundo, esse papel é particularmente estratégico. Nossa produção deve ficar em torno de 15 milhões de toneladas em 2024, representando um aumento de cerca de 2% em relação ao ano anterior. Essa expansão reflete não apenas o aumento da demanda global por proteínas, mas também a resiliência e eficiência do setor avícola brasileiro, que dedica 65% de sua produção ao mercado interno e exporta os 35% restantes, consolidando-se como líder mundial no comércio da proteína – em volumes superiores à soma dos dois maiores concorrentes, Estados Unidos e União Europeia.

Além de liderar as exportações, o Brasil é o terceiro maior consumidor de carne de frango em termos absolutos, com um consumo per capita de 45 quilos em 2024 e projeção de alta para 46 quilos até 2025. Isso demonstra a importância da proteína também para a nutrição interna, especialmente em um cenário de recuperação econômica que tem permitido uma dieta mais equilibrada para a população brasileira. Ao mesmo tempo, fatores como a redução dos custos de insumos, como milho e farelo de soja, e a capacidade de gestão de crises sanitárias, como no recente caso da Doença de Newcastle, reforçam a competência da avicultura brasileira em atender às demandas internas e externas.

A população global deve atingir 9,7 bilhões de pessoas até 2050, de acordo com o Banco Mundial. Esse crescimento, aliado ao aumento da renda em países emergentes, impulsionará significativamente a demanda por alimentos, especialmente proteínas animais. O Rabobank projeta que o consumo global de proteína animal aumentará 14% na próxima década, com 90% desse crescimento vindo de mercados emergentes. Regiões como o Sul da Ásia e o Leste Asiático terão papel central nesse cenário. No Sul da Ásia, o crescimento populacional combinado com o aumento da renda deve elevar ainda mais a demanda por alimentos. No Leste Asiático, o crescimento econômico e o aumento da renda per capita também contribuirão significativamente. Isso reforça a importância de uma cadeia produtiva eficiente e sustentável para atender às necessidades futuras.

A carne de frango é uma solução prática para enfrentar o aumento da demanda global por alimentos. Sua produção requer menos recursos naturais, como água e terra, em comparação com outras proteínas animais, além de ter uma pegada de carbono menor. Essa eficiência a torna crucial para garantir a segurança alimentar global, especialmente em países em desenvolvimento.

Entretanto, para maximizar seu potencial, é fundamental adotar práticas racionais em todas as etapas da cadeia produtiva. Isso inclui políticas de combate ao desperdício, melhor logística e uma interpretação uniforme das normas sanitárias. Essas ações podem transformar a carne de frango em um pilar essencial na luta contra a fome, reduzindo o desperdício e tornando alimentos mais acessíveis.

A insegurança alimentar é um dos maiores desafios do nosso tempo. Em um mundo onde tecnologia e fome coexistem, é imperativo usar a razão para combater o desperdício e otimizar a produção de alimentos. A carne de frango, pela sua eficiência e acessibilidade, pode desempenhar um papel fundamental nesse esforço. Para isso, é necessário um compromisso global com a padronização de normas, melhorias logísticas e políticas que promovam o uso consciente dos recursos. Somente com ações integradas e racionais podemos construir um futuro em que a fome seja uma memória distante, e a segurança alimentar, uma realidade acessível a todos.

Ricardo Santin – presidente da ABPA, presidente do Conselho Mundial da Avicultura (IPC) e vice-presidente da Associação Latinoamericana de Avicultura (ALA).